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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Então eu decidi

“Então eu decidi me sentir culpada pela ultima vez, abandonei esperanças, vida social, cachorro, peixe, família, e fui viver. O sol ardeu nos meus olhos, depois de tanto tempo no escuro, vivendo um tipo de amor que consome, doente, cego, estático, cru. Amor pra ser amor tem que deixar marcas, e cicatriz não é marca. É sinal. Sinal de que alguma coisa deu errado, mas você sobreviveu. E a gente deu muito errado, deu erradíssimo, compreendeu agora? Eu passei mil e quinhentas vidas achando que o problema da nossa não-relação era eu. Que a culpa era minha, que a falta era minha, que os erros eram meus, tudo era meu. Você não era, entende agora? A gente nunca foi nada, eu sempre enxerguei isso, mas a esperança nas mãos erradas é um desastre, todo mundo sabe. Após meses ensaiando nosso discurso de despedida eu sufoquei com as palavras, e pude ver um filete de luz no fim do túnel, a esperança em deixar de viver com migalhas e passar a existir com porções generosas de carinho. De desamor eu só acumulei fraturas, resultado das rasteiras que você, a vida, o universo colocaram a prova em cada segundo que estivemos juntos. Eu acabei me acostumando a te usar apenas como uma muleta emocional, porque o amor, o amor mesmo já foi a óbito, faltava só a coragem pra lacrar a sepultura. E acontece que depois de passar muito tempo no escuro, você acaba achando que não merece alguns raios de sol, que a terra ficou estéril, que o zumbido no ouvido nunca vai passar. E aí passa. Assim, do nada. A gente treme as pernas umas duas vezes, mas começa a andar outra vez, e aprende a viver mais quinhentas mil vidas. Se reinventa, se recomeça, se precisa de novo e não para. Mesmo que o caminho continue escuro, que o cabelo esteja seco, que as curvas sejam só curvas, que o sorriso seja amarelo, que os olhos ainda estejam tristes, que a vida ainda seja oca. Quando a gente decide sair de um funeral, o luto passa. E a vontade de continuar morta, também.”

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